O radiotelescópio BINGO (Baryon Acoustic Oscillations from Integrated Neutral Gas Observations) iniciou oficialmente sua instalação na Serra do Urubu, em Aguiar, Sertão da Paraíba, em um marco histórico para a astrofísica brasileira. Trata-se do maior radiotelescópio do Brasil e um dos mais ambiciosos da América Latina, voltado para estudar a energia escura – componente misterioso que acelera a expansão do Universo. A estrutura ocupa uma área equivalente a um estádio de futebol, com plataforma fixa e construção de casas de comando, usina solar e paredão de contenção de interferências de rádio já concluídos .
O BINGO funcionará como um telescópio de trânsito: permanecendo apontado para uma região fixa do céu, colherá dados enquanto a Terra gira, mapeando cerca de 15 ° por 200 ° em declinação. Seus espelhos principais, um parabólico de 20 m e um secundário hiperbólico de 17,8 m, direcionam a radiação para 28 cornetas posicionadas em arranjo duplo retangular. Essas colunas garantem cobertura contínua da faixa observada .
Projetado para captar a linha de emissão do hidrogênio neutro em 21 cm (frequência entre 0,96 GHz e 1,26 GHz), o BINGO mapeará o sinal de milhões de galáxias para detectar as Oscilações Acústicas de Bárions (BAO), padrões vibracionais originados logo após o Big Bang. Essa “régua cósmica” permite medir a influência da energia escura em diferentes épocas do Universo .
A escolha da Serra do Urubu foi estratégica: após extensas medições em mais de 30 locais, o vale tropical revelou-se praticamente livre de interferência de rádio (RFI), sendo comparável a locais como Antártica ou Atacama. As montanhas que cercam o local formam uma barreira natural, protegendo o radiotelescópio de sinais de celulares, aviões e outras fontes de ruído eletromagnético .
O projeto é uma colaboração internacional com liderança brasileira, sobretudo da USP, INPE e UFCG, contando também com investigadores de universidades da China, Reino Unido, França, Alemanha e África do Sul. A infraestrutura foi custeada por FAPESP, Governo da Paraíba, Finep, FAPESQ-PB, além de aportes chineses e apoio de outras agências . Estruturas metálicas — os espelhos e torres — são produzidas na China, onde engenheiros e técnicos da Paraíba se deslocaram para treinamento, garantindo transferência de tecnologia .
Após atrasos provocados pela pandemia e trâmites burocráticos, a expectativa é que o telescópio comece a operar ainda em 2025, com testes iniciais entre junho e agosto e entrada em funcionamento pleno até o final do ano, usando inicialmente 15 cornetas importadas de São Paulo .
Além do estudo da energia escura, o BINGO também será capaz de detectar rajadas rápidas de rádio (FRBs) e pulsars, fungindo de “relógios cósmicos” para explorar física fundamental e astrofísica de alta precisão .
Na Paraíba, o projeto já tem impacto socioeconômico: reforça a formação de cientistas e técnicos locais, estimula a indústria regional por meio da construção de componentes eletrônicos e antenas, além de promover um circuito de ciência e turismo no entorno. Estão previstos ainda o desenvolvimento de um museu de astronomia em Carrapateira, ações em escolas locais e integração com a Cidade da Astronomia, fomentando cultura STEAM no Semiárido .
Em resumo, a instalação do BINGO na Serra do Urubu é um avanço histórico para a ciência brasileira e mundial. Trata-se de um instrumento de grande porte, projetado especificamente para desvendar a energia escura, com tecnologia de ponta, cooperação internacional, transferência de conhecimento e impacto regional significativo. Os próximos meses devem consolidar sua fase de comissionamento e inauguração científica, abrindo caminho para descobertas que podem alterar profundamente nosso entendimento do Universo.
