O céu noturno sempre fascinou a humanidade. Desde as primeiras civilizações, observadores contemplavam os astros e imaginavam outras formas de vida olhando de volta. Com o advento da ciência moderna, essa especulação ganhou fundamento. Sabemos hoje que há centenas de bilhões de galáxias, cada uma contendo centenas de bilhões de estrelas, muitas delas com planetas orbitando em suas zonas habitáveis. Diante desse cenário, uma pergunta persiste: se o universo é tão vasto e antigo, onde estão todos?
Essa é a essência do paradoxo de Fermi, formulado de maneira informal pelo físico Enrico Fermi em 1950. Durante um almoço entre colegas no Laboratório Nacional de Los Alamos, Fermi teria questionado de forma direta: “Onde está todo mundo?” — refletindo sobre a aparente contradição entre a alta probabilidade de existência de civilizações inteligentes e a total ausência de evidências observáveis. A questão atravessou décadas e, ao invés de se resolver, se tornou mais instigante à medida que a astrobiologia e a busca por vida extraterrestre avançaram.
A equação de Drake e a estatística do silêncio
Para tentar estimar a quantidade de civilizações inteligentes capazes de comunicação interestelar na galáxia, o astrônomo Frank Drake propôs em 1961 a famosa Equação de Drake. Essa fórmula considera variáveis como o número de estrelas em formação, a fração dessas estrelas que possuem planetas, a quantidade de planetas potencialmente habitáveis, a probabilidade de surgimento de vida, de vida inteligente e, finalmente, de civilizações que se tornam capazes de transmitir sinais detectáveis.
No entanto, o desafio está nas incertezas extremas associadas a quase todas essas variáveis. Um estudo publicado no arXiv por Sandberg, Drexler e Ord (2018) demonstrou que, ao considerar a imensa margem de erro nos parâmetros da equação, o paradoxo poderia, na verdade, ser ilusório. Em cenários conservadores, a probabilidade de existirem outras civilizações detectáveis seria ínfima, tornando o silêncio cósmico esperado.
Por outro lado, mesmo sob estimativas moderadas, o número de civilizações inteligentes deveria ser considerável. Afinal, há mais de 100 bilhões de estrelas apenas na Via Láctea e cerca de 300 milhões de planetas potencialmente habitáveis, de acordo com estimativas recentes da NASA. Isso faz com que a ausência de qualquer sinal, até o momento, permaneça um enigma.
Explicações para o grande silêncio
Ao longo das décadas, diversas teorias surgiram para tentar resolver o paradoxo. Uma das mais convincentes é a ideia de que nossa busca por vida extraterrestre é ainda superficial e limitada. Como destacou um artigo da Scientific American, nossa capacidade de detectar sinais equivale a tentar medir a biodiversidade do oceano usando um balde. A amostragem é mínima frente à vastidão do cosmos e à distância entre os possíveis mundos habitados.
Outra explicação poderosa é o conceito do grande filtro, uma ideia proposta para justificar por que a humanidade ainda não encontrou outras civilizações. Esse filtro seria uma barreira quase intransponível, presente em algum ponto da trajetória evolutiva entre a matéria inorgânica e uma civilização tecnologicamente avançada e interestelar. Se o grande filtro estiver no nosso passado — como o surgimento da vida ou a passagem de organismos unicelulares para multicelulares —, significa que já superamos a maior dificuldade. Se estiver no nosso futuro, sugere que a maioria das civilizações se autodestrói antes de alcançar um estágio de expansão interestelar. Essa perspectiva ganha força diante de estudos como o de Schleicher e Bovino (2022), que apontam como catástrofes cósmicas, como supernovas próximas, surtos de raios gama e mudanças climáticas extremas, podem tornar planetas inabitáveis ou destruir civilizações antes que elas se tornem capazes de viagens ou comunicação interestelar. Além disso, os próprios riscos internos, como guerras, pandemias ou colapsos ecológicos, podem limitar a longevidade de sociedades avançadas.
Outra hipótese intrigante é a do silêncio intencional. Conforme popularizada pelo romance “The dark forest” de Liu Cixin, o universo poderia se assemelhar a uma floresta sombria, onde cada civilização permanece em silêncio para evitar ser destruída por outras. Segundo essa teoria, civilizações tecnológicas poderiam ser hostis por padrão, enxergando outras formas de vida inteligente como ameaças em potencial. Assim, o silêncio cósmico seria uma estratégia de sobrevivência, e não um sinal de ausência. Complementando essa visão, o conceito do “zoológico galáctico” propõe que civilizações mais antigas e avançadas podem estar cientes de nossa existência, mas optam por não interferir ou se revelar, da mesma forma que biólogos observam animais sem interagir. Essa hipótese, discutida no Wall Street Journal, sugere que talvez a humanidade esteja em quarentena galáctica, sob observação até alcançar certo nível de maturidade.
O viés antropocêntrico e debates filosóficos
Um aspecto frequentemente ignorado na análise do paradoxo de Fermi é o viés antropocêntrico presente em nossa busca por sinais alienígenas. Assumimos, quase sempre, que civilizações avançadas desejariam explorar o espaço, enviar sinais ou estabelecer contato. No entanto, como argumenta um artigo da Cambridge IJAs, sociedades tecnológicas podem ter interesses, formas de comunicação ou modos de existência radicalmente diferentes dos nossos. Além disso, há propostas filosóficas e até teológicas para o problema. No estudo publicado pela Theology & Science, defende-se que as forças sociais e culturais que impulsionam o avanço tecnológico também aumentam o risco de autodestruição, criando um equilíbrio precário. Essa visão sugere que a vida inteligente carrega em si tanto o potencial criativo quanto destrutivo, limitando sua longevidade cósmica.
O filósofo e astrofísico Ćirković, em seu livro The great silence, explora a possibilidade de que civilizações evitem contato deliberadamente por razões morais, éticas ou pragmáticas. Talvez o conceito de interferir em outras culturas seja inaceitável para espécies avançadas, ou talvez o contato acarrete riscos tecnológicos ou sociais incontroláveis.
A era do contato e os tecnosinais
Apesar do silêncio até agora, muitos especialistas defendem que estamos apenas no início da era do contato. De acordo com Wandel (2022), a capacidade da humanidade de detectar sinais de outras civilizações se ampliou significativamente nas últimas décadas, mas permanece limitada diante da vastidão e diversidade do universo.
Hoje, projetos como o Breakthrough Listen monitoram milhões de estrelas em busca de transmissões de rádio ou feixes de laser anômalos. O avanço de telescópios como o James Webb permite detectar bioassinaturas e tecnomarcadores — indícios de atividade tecnológica — na atmosfera de exoplanetas, o que pode indicar a presença de civilizações avançadas. Embora as chances sejam pequenas, a detecção de um único tecnosinal mudaria radicalmente nossa compreensão do universo e de nosso lugar nele.
Mesmo sem um sinal inequívoco, a busca por vida extraterrestre se tornou uma disciplina multidisciplinar que atravessa astrofísica, biologia, filosofia e sociologia. Como destaca Stephen Webb em If the universe is teeming with aliens… where is everybody?, investigar o paradoxo de Fermi é também investigar os limites de nossa própria espécie e refletir sobre os rumos que podemos escolher.
Muito além da astrofísica
O paradoxo de Fermi permanece como um dos maiores desafios intelectuais da ciência contemporânea. Ele ultrapassa a astrofísica e invade o campo da filosofia, da sociologia, da moralidade e da especulação tecnológica. Ao confrontar a possibilidade de estarmos sozinhos ou em meio a civilizações que evitam contato, somos obrigados a repensar nosso conceito de progresso, sobrevivência e destino cósmico. Talvez o paradoxo seja resolvido em poucas décadas, com a detecção de um tecnosinal distante. Talvez nunca o seja. Mas, como sugere Ćirković, a simples busca já transforma a humanidade, obrigando-nos a olhar para o céu com humildade e reconhecer que, no grande esquema do cosmos, nosso conhecimento ainda é insignificante.