Matéria escura e energia escura compõem 95% do universo, mas continuam envoltas em mistério. Entenda as principais teorias, observações recentes e os desafios científicos por trás desses enigmas cósmicos.
O universo invisível
Apesar de toda a grandiosidade visível no céu — estrelas, galáxias, planetas — o que vemos é apenas uma pequena fração da realidade cósmica. Segundo os modelos cosmológicos mais aceitos, cerca de 27% do universo é composto por matéria escura, enquanto impressionantes 68% são formados por energia escura. Isso deixa menos de 5% para toda a matéria “normal”, que interage com a luz e forma tudo o que conhecemos.
A existência dessas componentes invisíveis é inferida por seus efeitos gravitacionais e dinâmicos, mas sua verdadeira natureza ainda escapa à compreensão científica. Ao longo das últimas décadas, observações de galáxias, supernovas distantes e da radiação cósmica de fundo forneceram evidências cruciais. Missões como o telescópio espacial Euclid, lançado em 2023, e experimentos como o DESI continuam desvendando pistas sobre o que impulsiona a expansão do cosmos e o mantém unido.
O rnigma da matéria escura
A matéria escura não emite, reflete nem absorve luz, mas revela sua presença por meio da gravidade. Sem ela, as galáxias simplesmente se despedaçariam: suas estrelas se moveriam rápido demais para permanecerem coesas. Foi a astrofísica Vera Rubin, na década de 1970, quem demonstrou que as curvas de rotação das galáxias não faziam sentido sem a presença de uma massa invisível.
Entre os candidatos propostos estão:
WIMPs (partículas massivas fracamente interativas): nunca detectadas, mas previstas por teorias supersimétricas.
Axions: partículas hipotéticas extremamente leves, que poderiam resolver também problemas da cromodinâmica quântica.
Buracos negros primordiais: formados nos primeiros instantes do universo, antes da formação das estrelas.
Matéria escura atômica ou interagente: modelos mais recentes, como os discutidos no JHEP (2025), sugerem que a matéria escura possa ter suas próprias interações, inclusive com uma radiação escura associada.
Além disso, estudos como o de Wang et al. (2016) propõem que a matéria escura possa interagir diretamente com a energia escura, influenciando a formação de estruturas e a dinâmica dos vazios cósmicos.
O motor da expansão
Se a matéria escura atrai, a energia escura faz o oposto: ela empurra. A descoberta de sua existência, em 1998, foi um dos maiores choques da cosmologia moderna. Observações de supernovas tipo Ia mostraram que o universo está não apenas se expandindo, mas acelerando sua expansão. Esse efeito é atribuído a uma forma de energia presente no vácuo do espaço. O modelo mais simples para explicá-la é a constante cosmológica de Einstein (Λ), uma espécie de densidade de energia constante. No entanto, diversos cientistas buscam alternativas:
Quintessência: um campo dinâmico que varia ao longo do tempo e do espaço.
Modelos f(R) e outras modificações da gravidade: tentativas de explicar a aceleração sem invocar uma nova energia, mas alterando as leis da gravitação.
Energia escura emergente: como no modelo de Kobayashi & Ferreira (2018), em que parte da matéria escura se transforma, em escalas cosmológicas, em uma força repulsiva.
Recentemente, dados do DESI indicam que a energia escura pode não ser constante — ela estaria enfraquecendo nos últimos 4 a 5 bilhões de anos. Essa possível “evolução” exige uma revisão dos modelos padrões e impulsiona novas propostas de equações de estado variáveis.
O papel das observações
Para entender essas componentes invisíveis, astrônomos precisam observar o que pode ser visto com extrema precisão. O telescópio espacial Euclid, da Agência Espacial Europeia, foi lançado com a missão de mapear bilhões de galáxias ao longo de 10 bilhões de anos-luz, medindo como a matéria escura influencia a estrutura cósmica e como a energia escura atua sobre a expansão universal.
Já o DESI (Dark Energy Spectroscopic Instrument) coleta espectros de milhões de galáxias e quasares, oferecendo medições refinadas da taxa de expansão em diferentes épocas cósmicas. Esses dados são fundamentais para traçar o comportamento da energia escura ao longo do tempo e testar se ela permanece constante ou varia. Além desses, futuros observatórios como o Nancy Grace Roman Space Telescope, o Vera C. Rubin Observatory e o SKA deverão gerar mapas cada vez mais precisos da matéria escura e da geometria do universo.
Desafios teóricos e conflitos observacionais
Apesar dos avanços, grandes desafios permanecem. Um dos principais é a chamada tensão de Hubble: medidas locais da taxa de expansão do universo (feitas com supernovas e variáveis cefeidas) resultam em valores maiores que aqueles derivados da radiação cósmica de fundo (medidos pelo satélite Planck).
Modelos que envolvem matéria escura interagente ou energia escura em transição são os principais candidatos para resolver esse conflito. Por exemplo, o artigo publicado no JHEP (2025) propõe que a presença de uma “radiação escura” acoplada à matéria escura poderia reconciliar os dados discrepantes.
Outro dilema é a ausência de detecções diretas de partículas de matéria escura, mesmo após décadas de buscas com experimentos altamente sensíveis como o XENONnT, LUX-ZEPLIN e SuperCDMS. Esse silêncio empírico força os físicos a explorar alternativas mais ousadas, inclusive teorias que desafiam a própria natureza da gravidade.
O olhar da ciência e da filosofia
A busca por entender o universo invisível transcende a física. Autores como Richard Panek, em The 4 Percent Universe, relatam a corrida para descobrir o que compõe os 96% ocultos da realidade cósmica. Físicos como Lawrence Krauss e Dan Hooper também popularizam os debates sobre quintessência, inflação e multiverso, trazendo ao público geral a sensação de que a ciência moderna está às portas de uma nova revolução.
Pesquisadores como Prof. Ofer Lahav, do Dark Energy Survey, Prof. Risa Wechsler, do SLAC e Stanford, e Prof. Sunny Vagnozzi, da Universidade de Cambridge, estão na linha de frente dessas investigações. Suas pesquisas buscam integrar observações cosmológicas, física de partículas e gravitação teórica numa única estrutura coerente.
O que sabemos e o que falta descobrir
Apesar dos nomes “matéria” e “energia”, ambas as entidades permanecem elusivas. Não sabemos do que são feitas, se interagem entre si além da gravidade ou se são manifestações distintas de um mesmo fenômeno fundamental. Os próximos anos prometem avanços decisivos, mas também novas perguntas.
Seja por meio de telescópios espaciais, detectores subterrâneos ou modelos teóricos ousados, a jornada científica para iluminar o universo escuro está longe de terminar. E talvez, ao final, a matéria escura e a energia escura revelem não apenas seus segredos, mas também uma nova compreensão do espaço, do tempo e da própria realidade.