Em um dos eventos mais marcantes da astrofísica recente, o Telescópio Espacial Hubble registrou, no início de 2025, dados inéditos sobre uma kilonova — a explosiva fusão de duas estrelas de nêutrons — que forneceu evidências diretas sobre a formação de elementos pesados no cosmos. A observação complementou a detecção de ondas gravitacionais pelo observatório LIGO/Virgo, tornando-se um dos mais completos registros multimensageiros desse tipo de fenômeno desde a famosa GW170817, em 2017.
Diferente de uma supernova comum, uma kilonova surge quando dois objetos estelares superdensos colidem, liberando energia suficiente para sintetizar materiais como ouro, platina e urânio. Esse processo, conhecido como nucleossíntese rápida ou processo-r, é responsável por grande parte dos elementos pesados existentes no Universo e, até hoje, havia poucas confirmações diretas de sua ocorrência. O Hubble, ao capturar a assinatura espectroscópica do evento em infravermelho próximo, revelou detalhes sobre a radiação emitida durante a rápida desintegração de átomos recém-criados, fornecendo uma visão única da composição química e evolução da explosão.
O evento foi detectado inicialmente pelo LIGO/Virgo como um sinal gravitacional incomum, imediatamente sinalizando uma possível fusão de estrelas de nêutrons. Nas horas seguintes, telescópios ópticos e de raios-X no solo e em órbita confirmaram a contraparte luminosa. Mas foi o Hubble que, em observações conduzidas nos seis dias subsequentes, registrou o decaimento do brilho da kilonova com precisão inédita, acompanhando o espectro da luz emitida à medida que os elementos pesados se formavam e decaíam radioativamente.
A equipe de astrofísicos liderada pela Dra. Ashley Villar, da Universidade Harvard, destacou a relevância da descoberta. “É a primeira vez que conseguimos testemunhar a assinatura espectroscópica inequívoca da formação de átomos pesados em tempo real, vindos de um evento cósmico desse tipo. Estamos, de fato, vendo o nascimento do ouro e da platina no Universo”, afirmou Villar em comunicado divulgado pela NASA. Segundo ela, o espectro infravermelho permitiu distinguir claramente a radiação proveniente dos elementos recém-sintetizados, diferindo do padrão observado em supernovas tradicionais.
Um aspecto particularmente interessante desta observação foi a compatibilidade dos dados com modelos teóricos de nucleossíntese rápida desenvolvidos nas últimas décadas. Astrofísicos já haviam estimado que kilonovas poderiam ser responsáveis não apenas pelo ouro em joias ou chips de computador, mas também pelos rastros de plutônio encontrados em sedimentos oceânicos e na superfície lunar — relíquias de explosões semelhantes ocorridas antes mesmo da formação do Sistema Solar. Os dados de 2025 agora reforçam essa hipótese.
Além disso, a observação multimensageira confirmou a eficácia da estratégia de localização de kilonovas combinando ondas gravitacionais e contrapartes eletromagnéticas. Ao rastrear o sinal gravitacional e identificar a fonte óptica e infravermelha, os cientistas puderam determinar com mais precisão a distância e a localização do evento, aprimorando os protocolos para futuras detecções.
O sucesso da campanha observacional aciona, também, uma nova etapa de colaborações entre o Hubble, o Telescópio Espacial James Webb — que já iniciou observações complementares em comprimentos de onda mais longos — e futuros projetos como o Extremely Large Telescope (ELT) no Chile. Espera-se que, com essas ferramentas, a astrofísica multimensageira avance não apenas na identificação de novas kilonovas, mas na investigação da própria história da matéria no Universo.
Para a Dra. Villar, o mais fascinante é o caráter imediato e palpável dessa ciência. “Quando dizemos que somos feitos de poeira estelar, não é mais apenas poesia. Este evento nos mostra exatamente onde e quando esses átomos se formam. É uma narrativa cósmica que estamos, enfim, começando a decifrar”.
A kilonova de 2025 não apenas acrescentou dados valiosos sobre os mecanismos cósmicos de formação de elementos, mas também consolidou a importância dos sistemas de detecção conjunta e da astrofísica multimensageira. Um capítulo que promete ser decisivo na compreensão de como a matéria — e, por consequência, nós mesmos — surgiu no Universo.