Quando se fala em buscar vida fora da Terra, planetas como Marte costumam ser os primeiros a surgir na mente. No entanto, alguns dos mundos mais promissores para encontrar sinais de vida se escondem não em planetas, mas nas luas de gigantes gasosos. Entre elas, Europa (de Júpiter) e Encelado (de Saturno) se destacam. Apesar de pequenas, ambas abrigam vastos oceanos subterrâneos sob crostas de gelo, alimentados por fontes de calor internas — e isso muda tudo.
As missões espaciais das últimas décadas revelaram que essas luas não são blocos de gelo mortos, mas mundos dinâmicos, com atividade geológica e química que as tornam candidatas reais à habitabilidade. A presença de água líquida, ingredientes químicos essenciais e energia torna esses ambientes comparáveis, em potencial, às fontes hidrotermais nos abismos oceânicos da Terra, onde a vida floresce sem a necessidade de luz solar.
Encelado: plumas e promessas de vida
Encelado, com apenas cerca de 500 km de diâmetro, surpreendeu a comunidade científica quando a sonda Cassini, da NASA, descobriu gigantescos jatos de vapor d’água e partículas orgânicas sendo expelidos de sua superfície. Essas plumas emergem da região do polo sul da lua, onde o gelo é fraturado em longas fissuras conhecidas como “listras de tigre”.
Essas ejeções não só indicam a presença de um oceano global sob a crosta de gelo, mas também revelaram sais, sílica, moléculas orgânicas complexas e até hidrogênio molecular — um possível indicador de atividade hidrotermal. Na Terra, esse tipo de ambiente profundo é um berço natural para comunidades de vida microbiana.
Estudos publicados em periódicos como Nature Astronomy destacam que o hidrogênio molecular detectado nas plumas poderia servir de alimento para microrganismos, da mesma forma que ocorre nos ecossistemas abissais do nosso planeta. Isso torna Encelado uma das maiores prioridades para a astrobiologia.
Europa: um oceano sob alta pressão
Europa, uma das quatro grandes luas de Júpiter, é um pouco maior que a nossa própria Lua e há décadas intriga cientistas. Acredita-se que sob sua crosta de gelo, que pode ter dezenas de quilômetros de espessura, existe um oceano global que contém mais água do que todos os mares da Terra juntos. E essa água estaria em contato com um núcleo rochoso, permitindo interações geoquímicas que poderiam fornecer energia para vida.
A superfície de Europa mostra sinais de fraturas, rachaduras e zonas de subducção, sugerindo que a crosta está em constante renovação — algo inusitado em corpos gelados. Além disso, observações do Telescópio Hubble indicam que plumas de água também podem estar presentes, lançando material para o espaço a partir de reservatórios subterrâneos.
A composição da superfície de Europa, segundo estudos como os publicados na revista Science, contém sais hidratados e compostos orgânicos, possivelmente originados de seu interior. Isso fortalece a ideia de que o oceano não é apenas líquido, mas ativo e quimicamente interessante.
Diferenças e similaridades
Apesar de compartilharem características-chave — como a presença de água líquida e sinais de atividade hidrotermal —, Europa e Encelado também apresentam diferenças notáveis. Encelado é menor, com plumas mais ativas e acessíveis, o que facilitou a análise direta de seu conteúdo pela sonda Cassini. Por outro lado, Europa possui um oceano maior e mais profundo, e sua interação com a radiação intensa de Júpiter pode promover reações químicas únicas em sua superfície.
Enquanto Encelado tem um gelo mais fino e jatos contínuos que praticamente entregam amostras do oceano ao espaço, Europa exige estratégias mais complexas para acessar seu interior. Mas o potencial de seu ambiente, talvez mais diversificado, o torna igualmente intrigante.
A Planetary Society, em análise comparativa entre as duas luas, conclui que a escolha entre qual delas é “mais habitável” depende de critérios específicos. Encelado oferece mais acessibilidade científica no curto prazo, mas Europa pode esconder um ecossistema ainda mais vasto e complexo.
Missões em curso e o futuro da exploração
Nos próximos anos, a exploração dessas luas deve entrar em um novo capítulo. A NASA está preparando a missão Europa Clipper, prevista para lançamento em 2024, com chegada ao sistema joviano na década seguinte. A sonda fará múltiplos sobrevoos por Europa, estudando sua crosta, campo magnético e possíveis plumas.
Enquanto isso, a Agência Espacial Europeia já lançou a missão JUICE (JUpiter ICy moons Explorer), que vai explorar Ganimedes, Calisto e também Europa. Essas missões buscarão sinais de atividade geológica, mapeamento da superfície e pistas químicas que indiquem se Europa pode, de fato, sustentar vida.
Em relação a Encelado, embora não haja missões dedicadas no momento, propostas como a Enceladus Orbilander — um projeto conceitual de pouso e órbita — ganham força dentro da NASA. A ideia seria pousar na superfície e analisar diretamente os materiais ejetados pelas plumas.
Ambas as luas também são estudadas no contexto de tecnologias futuras, como sondas robóticas capazes de perfurar o gelo ou explorar os oceanos subterrâneos diretamente, algo que ainda está além das capacidades atuais.
Vida em ambientes extremos
Um dos aspectos mais fascinantes de Europa e Encelado é que eles desafiam antigas concepções sobre onde a vida poderia surgir. Durante muito tempo, a zona habitável ao redor de uma estrela — onde a água pode permanecer líquida — foi considerada o único local viável para a vida como conhecemos. Mas essas luas mostram que a habitabilidade pode existir mesmo a centenas de milhões de quilômetros do Sol, desde que haja fontes internas de energia e os ingredientes certos.
Na Terra, ambientes como fontes hidrotermais, lagos subglaciais na Antártida e cavernas subterrâneas abrigam vida microbiana robusta, muitas vezes isolada da luz solar. Esses análogos nos ajudam a modelar como a vida poderia existir nas profundezas de Europa ou Encelado, adaptada a pressões extremas, ausência de luz e metabolismo baseado em reações químicas com minerais e gases.
Por que elas importam
Estudar essas luas não é apenas um exercício de curiosidade científica. Descobrir vida fora da Terra, mesmo que microbiana, transformaria nossa compreensão do cosmos. Mostraria que a vida não é uma anomalia rara, mas uma possibilidade natural quando as condições corretas se alinham. E talvez, em vez de procurar apenas em planetas como a Terra, devêssemos ampliar nossa visão para os mundos gelados do sistema solar exterior.
Além disso, essas pesquisas têm implicações diretas na astrobiologia, geofísica, engenharia espacial e até mesmo na filosofia. Como escreve o astrobiólogo Kevin Hand, da NASA: “se houver vida em Europa, ela terá evoluído de forma completamente independente da nossa. Encontrá-la seria como descobrir um segundo Gênesis no mesmo sistema solar.”
Europa e Encelado estão entre os corpos mais empolgantes do Sistema Solar. Suas paisagens gélidas escondem oceanos líquidos que podem estar repletos de atividade química e talvez até biológica. Com missões em andamento e novas tecnologias surgindo, estamos mais perto do que nunca de responder a uma das questões mais antigas da humanidade: estamos sozinhos?
À medida que avançamos nessa jornada, essas luas nos lembram que o universo pode ser muito mais fértil e diversificado do que jamais imaginamos.