O ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Clezio Marcos de Nardin, na última quinta-feira (12), demonstrou ceticismo frente à proposta de lançar foguetes chineses a partir da Base de Alcântara (MA), apontando uma série de entraves logísticos, técnicos e burocráticos que tornam a ideia complexa e distante de se concretizar. A análise, publicada por meio de comentários ao portal Poder360 e à revista Oeste, destaca as fragilidades que envolvem a iniciativa.
De acordo com Clezio, a infraestrutura existente em Alcântara, embora estrategicamente posicionada próxima à linha do Equador — condição que oferece economia de até 31 % em consumo de combustível comparado a Cabo Canaveral — carece de elementos essenciais. Ele ressalta que faltam estradas, portos industriais e suporte de telecomunicações adequados, fundamentais tanto para o transporte das cargas do foguete como para a operação da base . Para Marcos, essas deficiências estruturais inviabilizam operações regulares sem investimentos pesados, “que ainda não foram planejados nem executados” segundo suas observações.
A ideia de cooperação com a China surgiu no Fórum de Cooperação Espacial entre China e América Latina, realizado em Wuhan, em abril de 2024, quando o ex-diretor do Inpe esteve presente. Na ocasião, foram discutidas parcerias envolvendo satélites CBERS-5 e CBERS-6, além de futuras missões, como o CBERS-7 . O debate avançou para a possível instalação de bases de lançamento no Brasil, incluindo a presença chinesa em Alcântara — proposta que marcou uma guinada no tradicional alinhamento nacional com os EUA para uso civil da base.
No entanto, Clezio Marcos alertou que qualquer tentativa de estabelecer um programa de lançamentos a partir de Alcântara enfrenta obstáculos que vão muito além da diplomacia. Ele afirmou que “a base por si só não é suficiente: é preciso preparar infraestrutura pesada, portos, estradas, comunicações, acabar com restrições legais de salvaguarda tecnológica”, referindo-se aos entraves regulatórios que atualmente limitam a participação dos EUA, mas que também exigiriam adaptações estratégicas no caso de atores chineses .
As restrições legais são apontadas como um ponto crítico. Alcântara opera sob os termos do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas firmado com os EUA em 2000, não ratificado pelo Congresso por temores de violação à soberania. Esse acordo bloqueia lançamentos americanos — e qualquer adaptação necessitaria de revisão legislativa. Ainda, a inserção de outra potência, como a China, implicaria em acordos complexos com implicações geopolíticas relevantes .
A análise de Clezio Marcos evidencia que, apesar do discurso político favorável e das vantagens equatoriais, concretizar um programa de lançamento chinês em Alcântara exigiria:
-Mobilização e investimento maciço em infraestrutura portuária e rodoviária;
-Modernização das comunicações e sistemas de rastreamento;
-Alteração do arcabouço legal vigente;
-Implementação de linhas de financiamento previstas para transformar estrategicamente a base — algo que “ainda não foi discutido com seriedade”, nas palavras do ex-diretor.
A conclusão é clara: mais do que voluntarismo político, trata-se de um desafio de engenharia, economia e diplomacia internacional, com alto grau de complexidade técnica e legal. Diante disso, o ex-diretor do Inpe avalia que o projeto, apesar de atrativo no discurso, é “improvável” de sair do papel sem um planejamento robusto e coordenação oficial.
Com isso, a proposta de lançamento chinês em Alcântara permanece no campo das intenções, enquanto o Brasil continua sem um programa nacional de foguetes — apesar da proximidade com países como Índia, Irã e China, que avançaram rapidamente em capacidades de lançamento.