A ideia de colonizar Marte como um “plano B” para a humanidade, em caso de colapso ambiental ou guerra nuclear na Terra, tem ganhado espaço nos últimos anos, especialmente pelas declarações e projetos ambiciosos de Elon Musk. O bilionário e CEO da SpaceX costuma afirmar que tornar a humanidade multiplanetária é essencial para garantir sua sobrevivência a longo prazo. No entanto, essa proposta foi recentemente contestada pelo astrofísico Adam Becker, da Universidade de Washington, que destacou os riscos e limitações reais dessa visão.
Segundo Becker, mesmo em cenários catastróficos como uma guerra nuclear global, aquecimento climático descontrolado ou impacto de um asteroide de grandes proporções, a Terra continuaria sendo um ambiente infinitamente mais habitável e favorável à vida humana do que Marte. Em entrevista repercutida pelo portal Terra, o pesquisador afirmou que a ideia de Marte como refúgio seguro ignora desafios ambientais e técnicos muito mais graves do que os que poderíamos enfrentar em uma Terra devastada.
Para ilustrar, Becker apontou que o planeta vermelho, além de ter uma atmosfera extremamente rarefeita e irrespirável, possui temperaturas médias de -60 °C, praticamente nenhuma água em estado líquido na superfície e está exposto a níveis elevados de radiação cósmica e solar. Sem um campo magnético como o da Terra para proteção, qualquer tentativa de criar colônias humanas estáveis exigiria infraestrutura gigantesca, habitats pressurizados, produção contínua de oxigênio e escudos de radiação — tudo isso com recursos limitados e imensas dificuldades logísticas para transporte e manutenção.
O astrofísico defende que, em qualquer cenário de catástrofe global, seria mais eficiente e seguro investir em formas de adaptação e restauração do meio ambiente terrestre. “Mesmo se a superfície da Terra se tornasse hostil, ainda teríamos atmosfera, gravidade compatível, água abundante e solo com capacidade de sustentar vida”, argumentou Becker. Em sua visão, mesmo um inverno nuclear prolongado ou elevação dramática das temperaturas seria mais fácil de administrar e sobreviver do que as condições inóspitas de Marte, onde a vida humana precisaria de uma bolha artificial para existir.
A crítica de Becker se insere em um debate antigo dentro da comunidade científica, que frequentemente questiona as promessas de colonização marciana feitas por Musk e outros entusiastas da exploração espacial. Muitos especialistas apontam que, embora os avanços tecnológicos na construção de foguetes e sondas sejam notáveis, transformar Marte em uma alternativa viável para a humanidade ainda está muito distante, tanto em termos técnicos quanto éticos e econômicos.
Outro ponto levantado pelo astrofísico é que a ideia de “fugir” da Terra para evitar os problemas criados pela própria humanidade representa uma espécie de escapismo tecnológico, quando a prioridade deveria ser evitar que essas tragédias aconteçam. “É mais racional e eficaz resolver nossos problemas por aqui, do que gastar recursos monumentais tentando sobreviver em um planeta que nunca foi feito para a vida humana”, disse.
Becker não é o primeiro cientista a manifestar essa posição. Astrofísicos renomados como Martin Rees e Carolyn Porco já afirmaram em ocasiões anteriores que a exploração científica de Marte é fascinante e essencial, mas a ideia de estabelecer colônias autossuficientes ainda não passa de ficção. O ex-astronauta Chris Hadfield, inclusive, afirmou que as condições marcianas seriam um “inferno absoluto” para os padrões humanos.
Ainda assim, Elon Musk segue firme em seu plano de levar humanos a Marte na próxima década, prevendo futuras cidades autossuficientes, sistemas de produção de oxigênio e cultivo de alimentos hidropônicos em cúpulas pressurizadas. A SpaceX trabalha no desenvolvimento do foguete Starship, projetado para transportar até 100 pessoas em missões interplanetárias, com testes cada vez mais ambiciosos.
Para Adam Becker, no entanto, o romantismo em torno de Marte não pode ofuscar o fato de que, mesmo em ruínas, a Terra ainda seria o lugar mais seguro e acessível para a sobrevivência humana. Seu alerta não busca impedir a exploração espacial, mas reequilibrar prioridades: antes de pensar em mudar de planeta, talvez seja mais prudente cuidar daquele que já temos.