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As maiores estruturas cósmicas conhecidas: muralhas, superaglomerados e o tecido colossal do universo

Quando olhamos para o céu noturno, vemos estrelas dispersas, algumas nebulosas, planetas e talvez uma ou outra galáxia próxima. No entanto, em escalas verdadeiramente cósmicas, essas pequenas ilhas de luz fazem parte de uma arquitetura gigantesca e surpreendentemente complexa: a rede cósmica. Esse colossal arranjo de matéria e energia é formado por filamentos de galáxias, aglomerados colossais, muralhas galácticas e vazios imensos, compondo as maiores estruturas já identificadas no universo conhecido. E, à medida que as tecnologias de observação avançam, essas estruturas desafiam as previsões das teorias cosmológicas atuais.

A espinha dorsal do universo
O conceito de rede cósmica emergiu a partir de simulações e observações de grande escala realizadas nas últimas décadas. Segundo a Astronomy.com, essa estrutura é composta principalmente de matéria escura, cuja gravidade atrai gás e galáxias, organizando-as em filamentos, nós e muralhas que se estendem por centenas de milhões de anos-luz. Dentro dessa rede, as galáxias se agrupam em filamentos de forma alongada e, onde esses filamentos se encontram, surgem os superaglomerados, enormes aglomerações de dezenas ou centenas de aglomerados galácticos. Entre essas regiões densas, há vazios cósmicos, zonas praticamente desertas, com baixíssima densidade de galáxias e matéria.
Uma análise detalhada da formação e evolução dessa rede foi feita por Cautun et al. (2014) no arXiv, usando simulações de N-corpos que modelam a gravidade atuando sobre bilhões de partículas de matéria escura ao longo de bilhões de anos. O resultado revela um cosmos onde a matéria se organiza de forma filamentar e hierárquica, com os maiores objetos conhecidos ocupando posições estratégicas nessa teia gravitacional.

Superaglomerados e muralhas galácticas
Dentro da rede cósmica, os superaglomerados de galáxias são algumas das maiores estruturas identificadas. Um exemplo marcante é o superaglomerado de Shapley, localizado a cerca de 650 milhões de anos-luz da Terra, reunindo milhares de galáxias e sendo uma das concentrações de massa mais densas do universo local.
Outro exemplo é o Laniakea, que, de acordo com a Sky at Night Magazine, engloba nossa própria galáxia, a Via Láctea, e outros 100 mil sistemas galácticos, estendendo-se por 520 milhões de anos-luz. Seu nome significa “céu imensurável” em havaiano, e ele marca uma tentativa recente de redefinir os limites das regiões gravitacionalmente associadas em torno da Via Láctea. Entre as estruturas ainda mais colossais estão as chamadas muralhas galácticas, verdadeiras paredes de galáxias alinhadas ao longo de vastas regiões do espaço. A BOSS Great Wall, descrita pela Smithsonian Magazine, é composta por quatro superaglomerados conectados e mede mais de 1 bilhão de anos-luz, superando a Sloan Great Wall, anteriormente considerada uma das maiores.
Mais recentemente, em 2025, astrônomos relataram a descoberta da superestrutura Quipu, segundo a Live Science e o Telescope.live. Com cerca de 1,3 bilhão de anos-luz de extensão e uma massa estimada em 2×10¹⁷ massas solares, Quipu foi identificada por meio do método de agrupamento FoF (friends-of-friends), que associa aglomerados próximos de galáxias. Essa estrutura representa um marco não apenas pelo tamanho, mas também por desafiar previsões baseadas no princípio cosmológico, que propõe a homogeneidade do universo em grandes escalas.

O caso do Hercules–Corona Borealis Great Wall
Entre as estruturas mais impressionantes já observadas, poucas causaram tanto impacto quanto o Hercules–Corona Borealis Great Wall. Identificada pela primeira vez em 2013, essa muralha cósmica permanece como a maior estrutura conhecida do universo observável. Segundo a Sky at Night Magazine e outras fontes especializadas, ela se estende por cerca de 10 bilhões de anos-luz, abrangendo uma área onde centenas de milhares de galáxias estão concentradas. A estrutura foi detectada com base na análise da distribuição de rajadas de raios gama (GRBs), que serviram como marcadores de regiões de alta densidade galáctica. O agrupamento inesperado de GRBs nessa faixa de distância indicou a existência de uma muralha de galáxias tão colossal que seu tamanho desafia diretamente o princípio cosmológico, segundo o qual o universo deveria ser homogêneo e isotrópico em escalas superiores a cerca de 300 milhões de anos-luz.
Até hoje, não há consenso completo na comunidade científica sobre se o Hercules–Corona Borealis Great Wall pode ser acomodado nos modelos cosmológicos vigentes ou se sua existência sugere algum fenômeno físico ainda não compreendido. Mesmo assim, ela permanece como um marco de escala e mistério na cartografia cósmica, e levanta questões sobre o verdadeiro limite das estruturas possíveis no universo.

Vazios cósmicos, os gigantes invisíveis
Enquanto superaglomerados e muralhas são concentrações impressionantes de matéria, os vazios cósmicos são igualmente colossais — mas pela ausência. Esses espaços quase desprovidos de galáxias se estendem por centenas de milhões de anos-luz. Um dos maiores identificados é o supervazio Eridanus, relatado pela Wired, com 1,8 bilhão de anos-luz de diâmetro. Esse supervazio é particularmente intrigante porque está associado a uma anomalia observada no fundo cósmico de micro-ondas (CMB) conhecida como Cold Spot, uma região do céu mais fria do que o esperado. Embora a origem dessa mancha ainda seja debatida, a presença do supervazio em sua direção levanta a possibilidade de que a ausência de massa na região tenha influenciado a radiação remanescente do Big Bang.

Filamentos gigantescos e a conexão das estruturas
Ligando superaglomerados e muralhas, os filamentos cósmicos são estruturas alongadas que podem se estender por centenas de milhões a bilhões de anos-luz. Um exemplo notável é o Perseus–Pegasus Filament, descrito na Wikipedia, com cerca de 1 bilhão de anos-luz de comprimento. Esses filamentos são fundamentais para o transporte de matéria e galáxias entre regiões densas do universo.
Outro objeto digno de nota é o superaglomerado Saraswati, descoberto em 2017 com base no Sloan Digital Sky Survey (SDSS), contendo 43 aglomerados de galáxias e se estendendo por 650 milhões de anos-luz. Localizado a cerca de 4 bilhões de anos-luz, Saraswati destaca-se tanto por sua massa quanto por sua existência numa época relativamente jovem do universo, desafiando os modelos de crescimento de estruturas em grandes escalas.

Missões recentes e o futuro da cartografia cósmica
A exploração das estruturas mais vastas do universo depende de levantamentos cada vez mais precisos e abrangentes. A missão Euclid, da Agência Espacial Europeia (ESA), lançada em 2023, está mapeando a distribuição de matéria escura e estruturas cósmicas com precisão inédita, como relatado pela Reuters. Seu objetivo é criar um atlas tridimensional do cosmos em larga escala, identificando novos aglomerados, muralhas e vazios e refinando a estimativa da taxa de expansão cósmica. Esses dados ajudarão a responder questões fundamentais sobre a formação e evolução da rede cósmica e o papel da energia escura na expansão do universo. E mais: podem fornecer evidências sobre se as maiores estruturas conhecidas são compatíveis com o princípio cosmológico ou se é necessário revisitar os pressupostos básicos da cosmologia moderna.

Um universo além da teoria
A existência de estruturas tão massivas e complexas tem implicações profundas para a cosmologia. Como discutido pela New Scientist, algumas dessas megaestruturas parecem grandes demais e antigas demais para se encaixar perfeitamente nos modelos tradicionais baseados na Teoria da Relatividade Geral e na hipótese da homogeneidade e isotropia do cosmos em escalas maiores que 300 milhões de anos-luz.
A descoberta da Quipu, da BOSS Great Wall, do Hercules–Corona Borealis Great Wall e dos vazios superdimensionados, por exemplo, alimenta debates sobre a possibilidade de haver processos físicos ainda desconhecidos atuando em escalas cosmológicas ou de que as flutuações quânticas do universo primordial foram mais extremas e amplas do que se supunha.

O universo não é uma vastidão uniforme e inerte. É uma tapeçaria colossal e intrincada de muralhas de galáxias, filamentos de matéria escura, aglomerados gigantes e abismos imensos de nada. As maiores estruturas cósmicas conhecidas não são apenas recordistas de tamanho: são testemunhos da história de um cosmos em constante transformação, cujas forças moldam o destino das galáxias e, em última instância, de tudo o que conhecemos.
À medida que missões como a Euclid e futuros telescópios avançarem na cartografia do céu profundo, novas estruturas e fenômenos emergirão, ampliando nossa compreensão sobre as leis que governam o universo e, possivelmente, redefinindo os próprios fundamentos da cosmologia.

Gabriel Rodrigues

Entusiasta de Astronomia e Astrofísica, criador e escritor do blog

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