Durante milênios, navegadores, exploradores e observadores do céu buscaram um ponto fixo na abóbada celeste para se orientar. A estrela polar, ou Polaris, cumpriu esse papel com uma constância quase mística. Localizada quase exatamente no eixo de rotação da Terra, ela marca o norte verdadeiro, servindo como guia não só para marinheiros da Antiguidade, mas também para sistemas modernos de localização. No entanto, sua importância não se limita à navegação. Polaris é também uma estrela fascinante do ponto de vista astronômico, pertencente a um sistema estelar múltiplo e classificada como uma cefeida variável — características que a tornam objeto de estudo contínuo em missões espaciais e publicações científicas.
Onde está Polaris no céu?
A estrela polar está situada na constelação da Ursa Menor, mais precisamente na extremidade da “cauda” da figura, representada pelo asterismo conhecido como o Pequeno Carro (Little Dipper). A sua posição está alinhada quase perfeitamente com o eixo de rotação da Terra, o que a faz parecer imóvel no céu noturno enquanto as outras estrelas parecem girar ao seu redor. Isso acontece porque ela está a apenas 0,7 grau do pólo celeste norte — uma coincidência notável e temporária, já que, devido à precessão dos equinócios, Polaris nem sempre ocupará essa posição.
Esse alinhamento permite que observadores do hemisfério norte, especialmente em latitudes médias e altas, usem a estrela como ponto de referência para determinar a direção do norte e até mesmo a própria latitude local, já que o ângulo de elevação de Polaris acima do horizonte corresponde aproximadamente à latitude do observador.
A importância histórica de Polaris
O uso da estrela polar na navegação é documentado desde a Antiguidade, mas foi especialmente vital durante a Era das Grandes Navegações, entre os séculos XV e XVII. Exploradores europeus como Vasco da Gama, Cristóvão Colombo e Fernão de Magalhães utilizaram a posição da Polaris para orientar suas rotas em mar aberto, antes da invenção de instrumentos mais sofisticados como o sextante.
Civilizações anteriores, como os fenícios, já conheciam sua utilidade, embora na época a estrela polar não fosse exatamente Polaris, devido à mudança lenta da orientação axial da Terra. Por volta de 3000 a.C., por exemplo, a estrela Thuban, na constelação de Draco, ocupava essa função. Somente a partir do século V d.C. Polaris começou a se aproximar do pólo norte celeste, assumindo o papel de estrela-guia de forma mais precisa nos últimos mil anos.
Além da navegação prática, Polaris teve papel cultural e simbólico. Povos indígenas das Américas, como os navajos e os inuítes, associavam a estrela a entidades espirituais, considerando-a um ponto fixo de orientação não apenas geográfica, mas também existencial. O Royal Museums Greenwich e a American Astronomical Society reúnem registros históricos que mostram como a estrela servia de guia tanto no mar quanto em mitologias diversas.
Propriedades físicas de Polaris
Apesar de parecer uma estrela solitária e constante, Polaris é um sistema estelar triplo. O componente principal, Polaris A, é uma supergigante amarela do tipo espectral F7, com cerca de 4.900 vezes o brilho do Sol. Ela é acompanhada por duas companheiras menores: Polaris B, uma estrela de sequência principal visível com telescópios modestos, e Polaris Ab, uma companheira mais próxima que só foi confirmada por telescópios espaciais e interferometria.
Polaris A também é uma estrela cefeida, o que significa que ela pulsa em brilho com um período regular, atualmente em torno de 3,97 dias. Esse comportamento é valioso para a astronomia, pois as cefeidas são usadas como “velas padrão” para medir distâncias no universo. A variação de brilho de Polaris, embora sutil, tem sido observada por mais de um século e foi documentada com precisão por instituições como a AAVSO (American Association of Variable Star Observers) e artigos no Astrophysical Journal.
Curiosamente, o brilho de Polaris tem apresentado flutuações incomuns ao longo dos séculos. Observações feitas entre os séculos XIX e XX indicaram uma diminuição gradual na amplitude de suas pulsações, mas nos últimos anos esse comportamento parece ter se estabilizado. O fenômeno ainda intriga os astrônomos, levantando questões sobre sua estrutura interna e fase evolutiva.
Medindo distâncias com Polaris
Polaris é essencial para estudos de calibração de distâncias cósmicas, justamente por ser uma cefeida relativamente próxima da Terra. Estimativas atuais, refinadas pelo satélite europeu Gaia, colocam sua distância em torno de 447 anos-luz, embora esse número tenha sido motivo de debate. A missão Gaia, da Agência Espacial Europeia (ESA), tem melhorado significativamente a precisão nas medições de paralaxe, o que afeta diretamente os cálculos relacionados à Polaris e, por consequência, à escala de distâncias extragalácticas.
A importância disso é astronômica no sentido mais literal: uma pequena imprecisão nas medições de cefeidas como Polaris pode se multiplicar ao longo da cadeia de calibragem, afetando o valor da constante de Hubble e nossa compreensão sobre a taxa de expansão do universo. Por isso, Polaris continua sendo alvo de intensa observação, não só por telescópios terrestres como também por missões espaciais e análises espectroscópicas.
A estrela que não é eterna
Apesar de seu papel como farol fixo do norte, Polaris não manterá essa posição para sempre. A Terra realiza um movimento de precessão, uma oscilação lenta de seu eixo de rotação com um ciclo de cerca de 26 mil anos. Esse movimento faz com que o pólo celeste norte descreva um círculo no céu ao longo dos milênios. Isso significa que em alguns milhares de anos, Polaris deixará de ser a estrela polar.
Daqui a cerca de 12 mil anos, a estrela Vega, da constelação da Lira, assumirá esse papel. Polaris, por sua vez, seguirá seu caminho no céu, tornando-se apenas mais uma estrela brilhante em meio às constelações. Esse conhecimento reforça a ideia de que mesmo os pontos fixos do céu são, em escalas de tempo cósmicas, passageiros.
A estrela polar é mais do que um ponto luminoso no céu noturno. Ela representa uma união rara entre utilidade prática, importância científica e simbolismo cultural. Serve como guia geográfico desde tempos imemoriais, e ao mesmo tempo, como ferramenta para sondar os limites do universo observável. Composta por múltiplas estrelas, com brilho pulsante e trajetória celeste em constante mudança, Polaris é uma lembrança de que até o que parece fixo está, na verdade, em movimento. É esse dinamismo, escondido sob a aparência de constância, que a torna uma das estrelas mais estudadas e reverenciadas da história da humanidade.