No imenso palco do universo, poucas imagens cativaram tanto o olhar humano quanto a cena registrada pelo telescópio espacial Hubble em 1995: os Pilares da Criação. Essa estrutura colossal de gás e poeira, situada na nebulosa de Águia (Messier 16), tornou-se símbolo visual da astronomia moderna e uma peça central na compreensão dos processos de formação estelar. Revisadas por novos instrumentos como o James Webb Space Telescope (JWST) e analisadas em detalhes com espectroscopia tridimensional, essas colunas cósmicas revelam não apenas beleza, mas pistas fundamentais sobre o nascimento e a morte de estrelas em nosso universo.
Uma visão entre estrelas e poeira
Localizados a cerca de 6.500 anos-luz da Terra, os Pilares da Criação são colunas densas de gás molecular frio e poeira interestelar que se erguem em meio à nebulosa de Águia, numa região rica em formação estelar. Segundo a NASA, suas dimensões individuais chegam a 4 a 5 anos-luz de extensão, o equivalente a dezenas de trilhões de quilômetros.
A famosa imagem de 1995, captada pelo Hubble, mostrou as colunas em luz visível, com cores representando diferentes elementos: oxigênio em azul, enxofre em laranja e hidrogênio/nitrogênio em verde. Essas cores revelam não apenas a composição química, mas também a atividade dinâmica em curso dentro das nuvens. Em 2018, uma nova versão dessa imagem trouxe maior definição e contraste, destacando os detalhes da interação entre a radiação estelar e o material nebuloso. A principal função dessas colunas é abrigar o processo de formação de novas estrelas. No interior dessas estruturas, bolsas de gás colapsam sob sua própria gravidade, dando origem a protostrelas, que futuramente se tornarão sóis como o nosso.
A era infravermelha e o olhar do James Webb
Em outubro de 2022, os Pilares da Criação ganharam uma nova interpretação. O James Webb Space Telescope, com sua capacidade de capturar imagens no infravermelho médio e próximo, revelou estruturas invisíveis ao Hubble. A imagem resultante, divulgada pela NASA/ESA Webb, mostrou centenas de protostrelas recém-nascidas como pontos brilhantes, antes ocultos pela poeira densa em luz visível. Essa nova observação permitiu visualizar também jatos de gás ionizado sendo expelidos por algumas dessas estrelas jovens. Essas estruturas alongadas são consequência da acreção de matéria pelas protostrelas e sua interação com os campos magnéticos locais.
Segundo reportagem da Axios, as imagens do Webb não serviram apenas para impressionar o público: elas aprofundaram a compreensão sobre a atividade estelar na nebulosa e permitiram refinar modelos sobre a dissipação das colunas pela radiação estelar intensa proveniente de estrelas massivas próximas.
O processo de erosão e a breve existência cósmica dos pilares
Apesar de parecerem estruturas eternas, os Pilares da Criação estão fadados ao desaparecimento. Um estudo realizado pelo ESO utilizando o instrumento MUSE no Very Large Telescope (VLT), analisado em 3D espectroscópico, mostrou que a radiação ionizante das estrelas próximas está erodindo lentamente os pilares. Estima-se, segundo a pesquisa, que essas colunas cósmicas se dissipem completamente em cerca de 3 milhões de anos — um piscar de olhos na escala cósmica.
Além disso, observações em infravermelho feitas pelo observatório Herschel, relatadas pela Wired, indicam vestígios de que uma antiga supernova, ocorrida há milhares de anos, pode ter iniciado esse processo de desintegração, acelerando a dispersão da poeira e do gás. Essa erosão é visível nas imagens de 2015 e 2018, que mostram bordas mais irregulares e dissipadas em comparação com as fotografias originais de 1995.
Fluxo fotoevaporativo e dinâmica interna
O que acontece nos Pilares da Criação é um clássico caso de formação estelar induzida. A intensa radiação ultravioleta de estrelas massivas próximas aquece e ioniza a superfície externa das colunas, provocando um fenômeno conhecido como fluxo fotoevaporativo. Esse efeito é responsável pela lenta dispersão do gás interestelar das bordas para o espaço, ao mesmo tempo em que comprime o material mais interno.
Estudos apresentados no arXiv, sob o título The Pillars of Creation Revisited, modelaram essa dinâmica tridimensionalmente, revelando não só a estrutura externa como também a movimentação de jatos bipolares provenientes das protostrelas em formação, fenômeno que pode contribuir para a desintegração das colunas de dentro para fora.
Uma composição cósmica de imagens e dados
O estudo dos Pilares da Criação tornou-se exemplo de como a astronomia moderna combina dados multissensoriais para desvendar fenômenos complexos. Segundo o Sky at Night, imagens compostas por raios-X captados pelo telescópio Chandra e dados em infravermelho do Webb revelam a estrutura interna das colunas e a presença de estrelas jovens de alta energia ocultas no espectro visível. Essa técnica permite, por exemplo, diferenciar estrelas mais antigas, que aparecem em azul nas imagens compostas, de protostrelas ainda imersas na poeira, que brilham intensamente no infravermelho. Além de imagens, espectroscopias realizadas pelo ESO detalham as temperaturas, velocidades e composição química das diversas camadas de gás e poeira.
A importância astrofísica e simbólica dos pilares
Os Pilares da Criação não são apenas visualmente impactantes, mas também oferecem uma rara oportunidade de estudar a formação estelar em ambientes extremos. Estruturas semelhantes já foram detectadas em outras nebulosas, mas poucas com tamanho, proximidade e acessibilidade como essa. Por isso, o local funciona como laboratório natural para compreender como estrelas como o Sol e sistemas planetários surgem. Além de seu valor científico, as imagens dos pilares se tornaram ícones culturais e símbolos do potencial humano de desvendar o cosmos. Matérias da Time e da Popular Mechanics destacam como essa imagem foi usada em exposições, livros didáticos e obras artísticas, consolidando seu status como uma das fotografias espaciais mais reconhecidas da história.
Um registro momentâneo da eternidade
Embora as imagens mais recentes mostrem os Pilares da Criação como majestosos e quase imutáveis, eles são apenas estruturas passageiras num universo em constante transformação. Como indicam os dados do MUSE/ESO e do Webb, a erosão segue ativa e o colapso contínuo de gás no interior das colunas dá origem a novas estrelas, ao mesmo tempo em que consome e dispersa sua matéria-prima.
Em cerca de 3 milhões de anos, essas estruturas terão desaparecido, mas as estrelas que hoje se formam em seu interior continuarão brilhando por bilhões de anos, e as imagens eternizadas por telescópios como o Hubble e o Webb permanecerão como testemunho de um momento efêmero na história do cosmos.
Os Pilares da Criação são mais do que belas imagens espaciais. Representam a materialização do ciclo de nascimento e morte das estrelas, da dinâmica violenta de nebulosas e da capacidade da ciência moderna de enxergar o invisível. Cada nova imagem, seja em luz visível, infravermelha ou raios-X, acrescenta informações valiosas sobre as forças que moldam nosso universo.
Enquanto essas colunas ainda se erguem, resistindo à radiação estelar e à passagem do tempo, continuarão sendo alvo de estudo, admiração e fascínio. E mesmo quando desaparecerem fisicamente, sua memória permanecerá registrada em imagens e dados, inspirando novas gerações a explorar os mistérios do espaço.