Desde as primeiras tentativas de compreender o universo, a humanidade procura uma explicação unificada para os fenômenos naturais. Da gravidade que mantém os planetas em órbita à mecânica quântica que rege o mundo das partículas subatômicas, diferentes teorias foram elaboradas para descrever aspectos específicos da realidade. Contudo, a ciência moderna ainda enfrenta um dilema: não existe, até hoje, uma teoria que concilie plenamente as leis da gravidade com as leis da física quântica. É nesse contexto que surge a proposta da Teoria das Cordas, uma das mais ambiciosas e controversas ideias da física teórica contemporânea.
Fundamentos da teoria das cordas
A Teoria das Cordas propõe que as partículas fundamentais que compõem a matéria e os campos de força não são pontos sem dimensão, como prevê o Modelo Padrão da física de partículas, mas sim pequenas cordas unidimensionais vibrantes. De acordo com a Britannica, essas cordas podem vibrar de diferentes maneiras, e cada padrão de vibração corresponderia a uma partícula distinta, como um elétron, um fóton ou um quark. Dessa forma, todas as forças e partículas do universo seriam, na verdade, manifestações das vibrações dessas cordas minúsculas. O charme dessa proposta está em seu potencial de unificar todas as forças fundamentais — gravidade, eletromagnetismo, força forte e força fraca — em um único arcabouço teórico. Como destaca Brian Greene em The elegant universe, a teoria das cordas seria a candidata natural a uma Teoria de Tudo, reconciliando as equações da relatividade geral de Einstein com os princípios da mecânica quântica, que até hoje coexistem de forma desconfortável.
Para que os cálculos da teoria sejam consistentes, no entanto, o espaço-tempo precisaria ter mais do que as quatro dimensões que experimentamos (três espaciais e uma temporal). Dependendo da versão da teoria, o número total de dimensões necessárias varia entre 10 e 11. Essas dimensões extras estariam compactadas em escalas minúsculas, invisíveis aos nossos instrumentos atuais, mas essenciais para a coerência matemática do modelo.
O surgimento das supercordas e a revolução teórica
Nas décadas de 1980 e 1990, a Teoria das Cordas passou por importantes avanços, consolidando cinco versões principais, conhecidas como teorias de supercordas. Cada uma propunha variações nas propriedades das cordas e nas simetrias subjacentes do espaço-tempo. Como explica a PNAS (1985), essas versões previam cordas abertas e fechadas, além de incluir o conceito de supersimetria — uma propriedade matemática que associa a cada partícula conhecida uma parceira hipotética, chamada superparceira.
A multiplicidade de versões da teoria representava um problema, pois teorias físicas devem, idealmente, oferecer descrições únicas para a realidade. Esse impasse foi parcialmente resolvido com a formulação da M-theory, proposta por Edward Witten e outros físicos, reunindo as cinco versões das supercordas como manifestações diferentes de uma teoria mais abrangente que opera em 11 dimensões. Esse avanço teórico deu origem a uma série de insights, como a dualidade gauge-string, uma correspondência que relaciona teorias de cordas em certos espaços-tempos curvos a teorias quânticas de campos em espaços planos. Segundo Schwarz (2007) no arXiv, essa dualidade revelou pontes inesperadas entre diferentes áreas da física e é considerada um dos maiores triunfos conceituais da teoria das cordas até hoje.
O multiverso e a paisagem de vacúos
Entre as consequências mais notáveis da Teoria das Cordas está a possibilidade da existência de um multiverso. De acordo com Polchinski & Bousso (2006) na Scientific American, a teoria prevê não apenas um, mas uma vasta quantidade de estados possíveis do universo, conhecidos como paisagem de vacúos (string landscape). Cada estado corresponderia a uma configuração específica das dimensões extras compactificadas e dos parâmetros físicos fundamentais, como a constante cosmológica e as massas das partículas. Estima-se que esse número de universos possíveis seja na ordem de 10^500, o que significa que, no cenário da teoria das cordas, o nosso universo seria apenas um entre um oceano de possibilidades. Essa noção radical pode ajudar a explicar, por exemplo, por que as constantes físicas do nosso cosmos parecem tão ajustadas para permitir a existência da vida — um fenômeno conhecido como princípio antrópico. Dentro dessa paisagem imensa, seria natural que em pelo menos alguns universos, as condições se mostrassem adequadas para a formação de estruturas complexas.
Desafios conceituais e limitações experimentais
Apesar de suas qualidades conceituais e matemáticas, a Teoria das Cordas enfrenta críticas severas, sobretudo pela ausência de previsões testáveis. Como observa a New Yorker em sua análise Unstrung, a teoria carece, até hoje, de resultados experimentais que possam confirmá-la ou refutá-la. Isso porque as dimensões extras e as cordas em si existiriam em escalas de energia tão elevadas — próximas da escala de Planck — que seriam inalcançáveis pelos aceleradores de partículas atuais, como o Grande Colisor de Hádrons (LHC). Esse problema foi detalhado por Sahoo (2012) no artigo String theory: big problem for small size, ressaltando que, enquanto teorias bem-sucedidas como o Modelo Padrão fizeram previsões verificáveis e confirmadas, a Teoria das Cordas permanece no domínio da especulação matemática. A falta de previsões específicas e a possibilidade de ajustar a teoria a praticamente qualquer cenário observacional levaram alguns físicos, como Lee Smolin em The trouble with physics, a questionarem seu status científico.
Além disso, como aponta The Atlantic (Wolchover, 2017), as soluções da teoria são tão numerosas que qualquer tentativa de prever as características precisas do nosso universo exige restrições artificiais ou recursos estatísticos pouco satisfatórios, diluindo seu poder preditivo.
Tentativas de integração com a gravidade quântica de loop
Diante das dificuldades experimentais e conceituais, parte da comunidade científica passou a investigar possíveis aproximações entre a Teoria das Cordas e outras abordagens para a gravitação quântica, como a gravidade quântica de loop. Essa teoria alternativa descreve o espaço-tempo como uma rede discreta de volumes finitos e rejeita a ideia de cordas como constituintes fundamentais.
Embora originalmente rivais, alguns físicos, segundo artigo da Wired (2016), consideram que aspectos das duas propostas poderiam se complementar. A dualidade AdS/CFT, que relaciona teorias de cordas a teorias quânticas de campos, por exemplo, inspira possibilidades de compatibilização, especialmente na descrição do comportamento do espaço-tempo em escalas planckianas.
A posição atual da teoria e debates sociológicos
Atualmente, a Teoria das Cordas ocupa um lugar ambíguo na física teórica. Como descreve o artigo MIT Perspectives – Contested boundaries, embora seja um dos modelos matematicamente mais consistentes e elegantes já produzidos, sua posição como teoria física definitiva é contestada. Parte disso se deve à falta de resultados empíricos e à crítica de que ela teria se tornado uma espécie de paradigma dominante mais por força institucional e sociológica do que por méritos empíricos.
Autores como David Gross, vencedor do Nobel de Física, defendem que a teoria ainda representa nossa melhor tentativa de unificação, enquanto críticos como Lee Smolin e Sabine Hossenfelder questionam seu domínio quase absoluto sobre os programas de pós-graduação e financiamentos em física teórica.
A Teoria das Cordas permanece como uma das construções mais sofisticadas da física teórica moderna. Ao propor que tudo no universo, das partículas às forças fundamentais, é composto por minúsculas cordas vibrantes em múltiplas dimensões, ela fornece uma estrutura unificadora que supera as divisões tradicionais entre física quântica e relatividade geral. Por outro lado, sua ausência de previsões testáveis, a dificuldade em acessar as energias necessárias para sua validação e a vastidão quase infinita de soluções possíveis impõem desafios filosóficos e metodológicos profundos. Como pontua Brian Greene em The fabric of the cosmos, a teoria das cordas pode ser a chave para entender o tecido mais profundo do universo — ou apenas mais uma etapa provisória na longa jornada da física fundamental.
Seja qual for o desfecho, a busca por uma explicação unificada para as leis da natureza continua, e a Teoria das Cordas, com suas dimensões ocultas e cordas dançantes, segue como um dos mais fascinantes capítulos dessa história.