Pesquisadores japoneses alcançaram um marco histórico na astrofísica computacional ao realizar a simulação mais extensa e detalhada já produzida de uma fusão binária de estrelas de nêutrons. O evento modelado envolveu 1,5 segundos de dinâmica real do processo de fusão — da orbita final até o colapso em buraco negro —, um período curto em termos humanos, mas extraordinariamente longo para os padrões físicos desse fenômeno excecional, normalmente com duração de milissegundos.
A complexidade da simulação exigiu impressionantes 130 milhões de horas de CPU, rodando em paralelo em até 80 mil núcleos do supercomputador japonês Fugaku, do Instituto RIKEN. Esse esforço de computação permitiu capturar com precisão as interações simultâneas da relatividade geral, dinâmicas magnéticas e emissão de neutrinos, reproduzindo as leis fundamentais da física sem simplificações artificiais.
Dois corpos de massa distinta — um com 1,25 e o outro com 1,65 massas solares — deram início à dança gravitacional, emitindo ondas gravitacionais detectáveis até culminar na fusão. A colisão resultou em colapso imediato, formação de um buraco negro e ejeção de jato relativístico de matéria com velocidades próximas à da luz. O fenômeno foi acompanhado de perturbações radiais e magnéticas que, pela primeira vez, puderam ser acompanhadas em alta resolução em todo o processo.
Kota Hayashi, pós-doutorando do Instituto Albert Einstein na Alemanha e autor principal da simulação, declarou: “Prever os sinais multimensageiros de fusões de estrelas de nêutrons binárias a partir de princípios básicos é extremamente difícil. Agora conseguimos fazer exatamente isso”. Com isso, foi possível simular cinco órbitas finais antes da fusão, reflexo do nível de detalhes alcançado.
Essa simulação é um divisor de águas para a astronomia multimensageira, área que integra ondas gravitacionais, luz eletromagnética, raios X, raios gama e neutrinos para estudar cataclismos cósmicos. A primeira detecção combinada ocorreu em 2017 com o evento GW170817, que envolveu fusão de estrelas de nêutrons. Agora, com resultados mais completos, abre-se caminho para prever assinaturas observacionais precisas, comparáveis a dados reais captados por observatórios como LIGO, Virgo, Fermi e telescópios de neutrinos.
O avanço técnico é igualmente relevante: a simulação foi executada sem suposições prévias sobre os resultados, simplesmente definindo condições iniciais realistas e deixando as equações regulares da física evoluírem naturalmente. Isso permitiu observar como instabilidades de Kelvin‑Helmholtz e magnetorrotacionais surgem durante a colisão, amplificando campos magnéticos e gerando o jato relativístico observado.
Além de representar uma conquista computacional, a simulação fortalece a interpretação científica de eventos transientes — como kilonovas, responsáveis pela criação de elementos pesados, e jatos que causam explosões de raios gama curtos — tornando possível vincular eles à física interna da fusão.
Nos próximos passos, a equipe pretende variar as massas iniciais, incorporar diferentes equações de estado nuclear e ajustar condições magnéticas para ampliar a diversidade de cenários simulados. O objetivo é construir um catálogo preditivo que ligue parâmetros iniciais a sinais multimensageiros esperados — ferramenta decisiva para interpretar futuras deteções, inclusive de ondas gravitacionais com origem em fusões semelhantes.
Em novo paradigma, a fusão de estrelas de nêutrons deixa de ser apenas um evento observado por acaso e passa a ser um fenômeno que podemos simular, analisar e comparar em detalhes. Essa simulação não apenas confirma nossa capacidade de modelar o universo extremo, mas também sugere que estamos prontos para extrair informações inéditas sobre física nuclear, relativística e astrofísica a partir dos dados que chegam da próxima geração de observatórios e redes de detecção.