Desde a descoberta de ‘Oumuamua em 2017 e do cometa interestelar Borisov em 2019, a possibilidade de detectarmos viajantes interestelares tornou-se uma realidade concreta para a astronomia. Agora, um novo visitante vindo de fora do Sistema Solar capturou a atenção da comunidade científica: o objeto 3I/ATLAS. Observado inicialmente em 2023, ele apresenta características únicas que desafiam nossas compreensões sobre a formação e o comportamento de corpos gelados vindos de outros sistemas estelares.
Descoberta e confirmação da natureza interestelar
O 3I/ATLAS foi descoberto por astrônomos do projeto ATLAS (Asteroid Terrestrial-impact Last Alert System), que monitora o céu em busca de objetos próximos à Terra. Logo após sua detecção, imagens prévias obtidas pelo sistema ZTF (Zwicky Transient Facility) ajudaram a rastrear a trajetória do objeto, revelando uma órbita hiperbólica — ou seja, uma trajetória que não o prende gravitacionalmente ao Sol. Essa é a assinatura típica de objetos interestelares, e levou à designação formal “3I” (terceiro objeto interestelar identificado).
Com uma velocidade de aproximação estimada em cerca de 209.000 km/h, confirmada por observações do Hubble e de outros telescópios, 3I/ATLAS não deixava dúvidas sobre sua origem extrassolar. Ainda assim, a natureza do objeto continuava sendo debatida: seria um cometa interestelar como Borisov, ou algo mais exótico como o enigmático ‘Oumuamua?
Um visitante do disco grosso da Via Láctea
Graças a modelos avançados como o Ōtautahi–Oxford, astrônomos conseguiram rastrear a possível origem do objeto até uma região distante do disco grosso da Via Láctea, uma das camadas mais antigas da nossa galáxia. Essa localização implica que o 3I/ATLAS pode ter entre 7,6 e 14 bilhões de anos — possivelmente mais antigo do que o próprio Sistema Solar.
A trajetória que o trouxe até aqui foi reconstruída com base em dados de telescópios como o Gemini North, e sugere que o objeto passou vagarosamente por Netuno antes de se aproximar do interior do Sistema Solar. O tempo de viagem e a velocidade sustentada indicam que ele está atravessando o espaço há bilhões de anos, tendo talvez sido ejetado de seu sistema original por interações gravitacionais com planetas massivos ou eventos catastróficos, como explosões estelares.
Composição, espectro e sinais de atividade
Uma das grandes surpresas envolvendo 3I/ATLAS é a sua atividade cometária incomum. Mesmo a cerca de 3,5 unidades astronômicas do Sol (uma distância relativamente grande), o objeto já apresentava sinais claros de sublimação — o processo pelo qual materiais gelados se transformam diretamente em gás ao serem aquecidos.
Essa atividade precoce foi confirmada por observações do telescópio Swift, que detectou emissões de OH (hidroxila), um subproduto da sublimação da água. Segundo estimativas, mais de 20% da superfície do objeto estava ativa, um número considerado alto para essa distância. Além disso, o espectro coletado pelo Hubble e por outros instrumentos indicou uma composição rica em compostos orgânicos escurecidos, semelhantes aos encontrados em asteroides do tipo D.
Curiosamente, análises espectroscópicas também apontaram a ausência de gases típicos de cometas, como cianogênio (CN) e diacetileno (C₂), criando um paradoxo: o objeto parecia se comportar como um cometa, mas sua composição química estava longe do padrão conhecido. Esse fenômeno permanece um dos principais mistérios envolvendo o 3I/ATLAS.
Tamanho e limites do núcleo
Com o auxílio do Hubble Space Telescope, astrônomos conseguiram estimar os limites físicos do núcleo do objeto. A análise da emissão de poeira permitiu calcular uma taxa de perda entre 6 e 60 kg por segundo. Já o tamanho do núcleo, dependendo da sua composição e refletividade, foi estimado entre 0,16 km e 2,8 km.
Outras fontes, como a Wired e a AP News, consideram que o núcleo possa atingir até 5 ou 6 km, com uma coma (a nuvem de gás e poeira que envolve o núcleo) de forma levemente assimétrica. Comparado com objetos anteriores como Borisov (~1 km) e ‘Oumuamua (provavelmente menor que 200 metros), o 3I/ATLAS se destaca não só por sua atividade intensa, mas também por sua escala física relativamente grande.
Atividade incomum e ausência de gases voláteis
A ausência dos gases voláteis tradicionais, aliada à intensa atividade precoce, gerou especulações sobre a natureza exata da sublimação observada. Uma hipótese sugere que o objeto poderia estar liberando materiais mais exóticos, talvez voláteis de ponto de sublimação mais alto, ou mesmo compostos orgânicos complexos que se decompõem ao receber radiação solar.
Essa hipótese é reforçada por observações de continuidade espectral vermelha e características de superfície semelhantes a materiais processados por radiação cósmica por bilhões de anos. Tais propriedades foram observadas também em dados da missão TESS, que obteve imagens anteriores ao periélio, revelando uma magnitude estável ao redor de 19,6 e possíveis traços de atividade já a 6,4 au do Sol.
Impacto científico e expectativas para o futuro
O 3I/ATLAS representa uma oportunidade científica rara: a chance de estudar, em tempo real, a evolução de um objeto que passou bilhões de anos viajando pelo espaço interestelar. Composições como a observada podem conter indícios sobre as condições químicas em outros sistemas planetários, especialmente os formados nos primeiros bilhões de anos do universo.
Além disso, a missão Comet Interceptor da ESA foi mencionada como uma possível candidata para futuras investigações semelhantes. Ainda que não tenha sido lançada a tempo de interceptar 3I/ATLAS, a missão poderá no futuro ser redirecionada para estudar outros visitantes interestelares. A comunidade científica, por sua vez, segue acompanhando o objeto com o auxílio de observatórios ao redor do mundo.
Teorias alternativas e controvérsias
Como era de se esperar, um objeto tão singular também atraiu atenção fora da academia. Teorias alternativas surgiram, incluindo propostas de que o 3I/ATLAS poderia ser um artefato tecnológico interestelar. Avi Loeb, professor de Harvard conhecido por suas declarações sobre ‘Oumuamua, voltou a afirmar que objetos como este merecem ser considerados candidatos a tecnologia alienígena.
Embora a maioria dos astrônomos rejeite essa possibilidade com base nos dados físicos disponíveis — que se alinham bem com comportamentos naturais conhecidos —, a discussão reacendeu o debate público sobre como devemos lidar com anomalias astronômicas. Ao menos por enquanto, tudo indica que o 3I/ATLAS é uma maravilha natural, ainda que profundamente misteriosa.
Registros visuais e dados públicos
Diversas imagens e animações foram produzidas ao longo dos últimos meses. O Hubble capturou registros detalhados da coma do objeto, enquanto observatórios terrestres como o Subaru, Gemini North e Lowell também contribuíram com dados importantes. Vídeos explicativos circulam em canais especializados, ajudando a traduzir o fenômeno para o público geral e a manter o entusiasmo em torno desse enigmático visitante.
Considerações finais
O 3I/ATLAS não é apenas mais um corpo celeste cruzando o Sistema Solar. Ele é um mensageiro silencioso de outros cantos da galáxia, carregando em si pistas sobre a formação de sistemas planetários distantes e os limites da matéria gelada exposta ao vácuo interestelar por bilhões de anos. Ainda envolto em mistério, ele reforça a importância da vigilância celeste constante e da cooperação internacional na ciência — pois os segredos que ele carrega ainda estão longe de serem totalmente revelados.